sábado, 30 de agosto de 2014

Respeito à Morte

                      Tem-se observado que na Humanidade parece haver uma espécie de acordo não-escrito, um tipo de concordância com relação à morte de um ser humano. Em todo lugar, onde há uma pessoa morta existe o impulso, talvez até inconsciente, de cobrir o corpo para que ele não fique exposto, e não raras vezes esse procedimento é feito mesmo quando se trata de um inimigo morto. Nas cidades e nas estradas a gente vê aquelas cenas horríveis de acidentes com uma ou mais pessoas mortas no chão, e rapidamente surge alguém com um lençol para cobrir os corpos, evitando que eles fiquem expostos à curiosidade alheia.
                       Mas eu vi uma cena que considerei tocante.  Houve um acidente envolvendo um carro e uma moto, e o motociclista morreu, ficando caído no asfalto, enquanto não chega o SAMU, a polícia e quem mais devesse vir. Acidente recém ocorrido e de imediato constatada a morte do motociclista, ninguém ali tinha em mãos um lençol ou coisa que o valha para cobrir o corpo até a chegada das autoridades, e era visível o mal-estar das pessoas ao redor, não só por ser um acidente chocante mas por estar aquele corpo à mostra de qualquer um.  Talvez as pessoas inconscientemente se indagassem sobre como seria se aquela pessoa ali no chão fosse um parente próximo ou elas próprias.  Aí apareceu alguém que fez algo que achei surpreendente.  Não dispondo um  lençol ou algo que cobrisse o corpo por inteiro, um homem tirou de seu bolso um LENÇO e colocou sobre o rosto do motociclista morto. Vi na fisionomia das pessoas uma expressão que era um misto de alívio e gratidão, e eu mesmo experimentei isso, ainda que eu não soubesse precisar o motivo exato.  Ninguém disse uma palavra mas todos pensaram a mesma coisa :  a decência e a dignidade humana exigia que não se permitisse que aquela pessoa ficasse ali daquele jeito, e ao menos o rosto deveria ser preservado, e o foi.
                     Lembrei que eu já tinha visto algo semelhante em alguns documentários sobre a Segunda Guerra Mundial, onde nas batalhas não havia tempo para enterrar os soldados mortos, mas simbolicamente tentavam preservar sua dignidade, e assim colocavam o capacete sobre o rosto dos mortos.  Mas o detalhe que chamava a atenção é que as tropas faziam esse procedimento mesmo quando os soldados mortos eram do lado inimigo, e a "regra"  valia para os dois lados. Os dois lados pareciam concordar que tinha de haver um mínimo de respeito para com a dignidade de um ser humano morto, mesmo sendo em vida um adversário. Pode ser que houvesse um desejo íntimo em cada um, de que quando e se chegasse a sua vez de estar naquela situação, que surgisse alguém que lhe preservasse o que restava da sua dignidade de ser humano e não o deixasse totalmente exposto.  E isso ainda ocorre em toda parte, evita-se deixar à descoberto os corpos, seja de quem for.  E muitas vezes tem-se visto  que isso, embora em menor escala, se estende até mesmo à animais, onde se vê que alguém cobriu o corpo daquele cachorro ou gato atropelado, por exemplo.  Sim, existe no inconsciente coletivo da Humanidade um respeito ao evento da Morte, pois intimamente sabemos que todos nós eventualmente seguiremos aquele caminho e nos conforta a idéia de que quando chegar a  nossa hora vá surgir alguém que não permita que nossos corpos sejam um espetáculo público aos olhares das pessoas.


                                                        Mago  Daniel de Ávila


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